Relógios Mecânicos – Quando usar e quando tirar

Um manual rápido para fazer seu relógio mecânico durar mais

Ao investirem em um relógio mecânico de luxo, as pessoas geralmente se preocupam em buscar por um visual específico. Em alguns outros casos, procuram por determinadas complicações, como calendário perpétuo, marcador de fase da lua, repetidor de minutos, um tourbillon, ou até mesmo um ponteiro GMT.

Mas será que estes critérios são suficientes?

Há uma questão extremamente importante a ser considerada na compra de um relógio – a sua durabilidade. Pessoas que gastam dinheiro em relógios caros muitas vezes tem expectativas irreais sobre sua resistência – e acabam tendo problemas por conta disto. Pensar que um relógio de milhares de reais foi feito para “durar para sempre” pode ser uma grande ilusão. E boa parte desta durabilidade está vinculada à forma de uso deste relógio.

Pode não ser muito apropriado fazer uma escalada em uma montanha usando seu Patek Philippe novo, ou mesmo, levar o seu Chopard estilo “dress watch” para um dia de piscina.

Os fabricantes costumam focar as propagandas de seus novos relógios nas novidades tecnológicas de seus produtos, ou em suas inúmeras complicações. Porém, há pouca preocupação em explicar ao seus consumidores sobre quais momentos usar os seus relógios pode ser uma idéia realmente ruim…

O Papo da Hora traz algumas dicas sobre os erros comuns relacionados ao uso de relógios e que podem afetar sua durabilidade.

Um relógio mecânico é um delicado conjunto de componentes móveis que funcionam harmonicamente. Obviamente, seu mau funcionamento pode ser decorrente de um defeito de fabricação, do desgaste natural, ou mesmo, de um projeto mal feito. Este não é o tema deste artigo. Estamos falando sobre as pessoas terem maior clareza sobre quais situações elas podem usar seus relógios sem que isto se torne um problema para seu funcionamento – portanto, saber para qual tipo de uso o seu relógio foi fabricado, e saber quando tirá-lo.

Nos últimos 100 anos, os relógios apresentaram muitas inovações, com mecanismos para aumentar a segurança de uso no dia a dia. Neste período, surgiram os relógios resistentes à água, resistentes à poeira, resistentes ao choque e à vibração. Também surgiram relógios específicos para mergulhadores, relógios para aviadores, relógios anti-magnéticos… e as novidades não param. No último ano, vimos a empresa BallWatch lançar o SpringLOCK, um sistema que protege o movimento contra vibrações; e o lançamento dos novos movimentos Master Co-Axial da Omega, que são imunes ao efeito do magnetismo. São sistemas eficientes, porém, exclusivos.


SpringLOCK, da BallWatch

Todas estas inovações buscaram proteger o delicado movimento mecânico guardado
dentro da caixa do relógio de danos ambientais, ou mesmo, do desgaste do uso diário. Podemos dizer que tais evoluções tornaram os relógios mais duráveis do que nunca. Porém, devemos ter a consciência de que os relógios não foram criados “iguais” – cada marca, cada tipo de relógio tem seu próprio nível de durabilidade. Conhecer tais diferenças é crucial para saber o momento de usá-los.

A REGRA DO SAPATO

Ariel Adams, um famoso expert da área de relojoaria fina, ao discutir questões relativas à durabilidade, fez um paralelo que achamos interessante citar.

Ele compara o uso de relógio ao uso de um sapato específico, ou mesmo, de uma roupa. Você usaria sapatos social caro para praticar caminhadas? Provavelmente não. E usaria um smoking para nadar? Espero que não.

Entender o estilo/tema do seu relógio ajuda a definir o grau de resistência deste relógio para determinadas situações, mas infelizmente, isto também não é tão simples. Relógios estilo “dress watch” não foram feitos para prática esportiva. Porém, nem todos os relógios esportivos podem ser utilizados em todas as modalidades.

A seguir, vamos listar os problemas mais comuns que podem afetar a resistência de um relógio.

ÁGUA

A água é um dos grandes vilões ao frágil movimento de um relógio mecânico. Após ser molhado, é pouco provável que o relógio volte a funcionar normalmente, e sim, possivelmente terá seu movimento destruído pela ferrugem.

Infelizmente, as convenções de nomenclatura utilizadas atualmente pelos fabricantes não deixam claro a sua real resistência à água.

Um indivíduo um pouco menos informado pode achar que seu relógio “water-resistent” (“resistente à água”, sem especificação de profundidade) pode ser utilizado no chuveiro, ou até mesmo em uma piscina, quando na realidade, suporta no máximo receber respingos de água de uma torneira.

Há também aqueles relógios marcados como “30 metros de resistência à água”. Se pensarmos em 30 metros de água, realmente estamos falando de uma profundidade razoável. Porém, na realidade, estes relógios não foram feitos para serem mergulhados em água!

Este erro interpretativo é natural, e diz respeito à nomenclatura confusa utilizada pelos fabricantes. Os 30 metros utilizados no exemplo que citei se referem a testes realizados com pressão de ar, e não de água. Testa-se os relógios com pressão de ar “equivalente” a 30 metros de água. Este método, apesar de parecer válido, não reproduz as condições reais aos quais um relógio passa ao ser mergulhado em água, ou seja, em situações de uso real, estes relógios não resistem à profundidade de água presente em seus rótulos.

COMO POSSO USAR MEU RELÓGIO EM SEGURANÇA NA ÁGUA?

Tenho certeza que o leitor, após se deparar com a triste realidade da nomenclatura de resistência à água dos relógios, deve estar em dúvidas sobre quais são as situações ideais de uso para diferentes tipos de exposição à água. A seguir, listamos a nomenclatura utilizada, e as situações reais aos quais estes relógios podem ser expostos.

30m
Mencionando o exemplo que citei anteriormente, um relógio resistente à água a “30 metros” pode resistir aos respingos acidentais de uma torneira enquanto você lava sua mão, ou até algumas gotas de uma chuva leve, e não mais do que isto. Parece pouco? Pois é, mas isto se dá pela ilusão criada pela nomenclatura confusa.

50m
E um relógio com resistência para “50 metros”? Poderíamos categorizá-los da mesma forma que os relógios resistentes a “30 metros”. Não é seguro expô-los a mais que alguns respingos, e podem até resistir a um rápido banho de chuveiro em água gelada. Porém, se o seu chuveiro for quente, melhor tirar seu relógio. Isto porque a água quente e a pressão do jato do chuveiro podem resultar em dilatação dos componentes externos, e assim, permitir que a água passe pela vedação de borracha que protege a caixa e o movimento do relógio.

100m
Com um relógio com resistência nominal de “100 metros”, a diversão pode começar. Estes relógios podem ser utilizados em piscinas, ou até em mergulhos de baixas profundidade, com certo risco.

200m,  300m e 500m
Relógios com esta resistência já podem ser considerados relógios de mergulho – sobretudo os com resistência a 300 metros, e sem dúvida nenhuma os de 500 metros, que resistem a maiores profundidades.

Esta progressão deixa clara a confusão da nomenclatura atual, e principalmente, como os fabricantes poderiam fazer mais para ajudar a educar os consumidores de seus relógios. Claro, alguns fabricantes podem fazer com a Festina fez com o seu lançamento Festina Profundo Diving Watch – colocou seus relógios em embalagens cheias de água!

festina_profundo_diving_watch-1
Festina Profundo Diving Watch – Uma boa maneira de mostrar que o relógio é a “prova d’água”

 

Abaixo, duas tabelas que sintetizam as dicas que citamos.
Tabela

QUEDAS

Há uma regra muito simples – se você gosta de relógios mecânicos, não deixe ele cair no chão. Estes relógios são formados por inúmeras peças móveis e frágeis, e mesmo que sua caixa e blindagem sejam resistentes, o movimento contido dentro deles não resiste a grandes quedas e impactos. A grande ironia disto é que, mesmo que a caixa e o vidro de safira resistam à uma grande queda sem grandes danos aparentes, o que resta é um relógio aparentemente preservado, mas com seu movimento interno absolutamente destruído.

Portanto, não há muito o que explicar – simplesmente, tente não derrubar seu relógio mecânico.

Há alguns modelos um pouco mais resistentes – os relógios de mergulho (tipo “Diver”), o que justificaria sua popularidade. Não acredito que seus donos o utilizam porque planejam mergulhar enquanto os usam, mas principalmente, porque podem utilizá-los em situações diversas, sem ter que se preocupar se o relógio vai se molhar, ou mesmo cair ou ter pequenos choques.

Ironicamente, os relógios mais resistentes presentes no mercado são os mais baratos. Dentre eles, há um lugar de honra para o Casio G-Shock. Não é um relógio muito glamuroso, mas não se pode negar que este relógio sobrevive a situações extremas. Há relato de alguns G-Shocks que sobreviveram a queda de edifícios, a incêndios, congelamentos.

Podemos tirar uma simples conclusão de tudo isto – quanto mais partes móveis, mais frágil é o relógio. Um relógio de quartzo digital (sem nenhuma parte móvel) é muito mais resistente do que um relógio com complicações. E por falar nisto…

RELÓGIO COM MUITAS COMPLICAÇÕES? COMPLICADO, HEIM…

O seu relógio tem um movimento com muitas complicações? Pense relógio “muito frágil”.

Sei que já falamos disto, mas não custa nada lembrar – quanto mais complicações, maior número de peças móveis, o que aumenta muito a fragilidade do relógio. Portanto, é um relógio pouco tolerante a quedas e à vibração.

Esta é uma das razões pelos quais os fabricantes de relógio high-end colocam movimentos complicados em caixas “clássicas” – ajudar a lembrar os seus donos que estes não são relógios desportivos.

As poucas marcas que colocam movimentos complicados em relógios esportivos estão provavelmente esperando que seus clientes tenham conhecimento e noção suficiente para não fazer nada de esportivo com eles.

RELÓGIOS FINOS – RELÓGIOS FRÁGEIS

Podemos tomar aqui a expressão “relógios finos” em dois sentidos – um relógio de luxo, e um relógio de espessura reduzida. Ambos são frágeis. E quanto mais fino ou com aspecto mais “delicado” o relógio tiver, mais frágil ele será.

E QUAL É A CONCLUSÃO QUE DEVO TIRAR DE TUDO ISTO?

Depois expor todos estes pontos, não queremos que você pense que seu relógio mecânico é algo que deve ser mimado como um bebê recém-nascido, senão poderá quebrar.

A grande questão é que os consumidores de relógios mecânicos “high end” tem que compreender o tipo de relógio que estão vestindo, e principalmente, saber apreciá-los. O grande prazer em comprar um relógio novo é poder utilizá-lo, e não queremos tirar este prazer. Saber qual relógio escolher para cada momento pode poupar dor de cabeça, e maximizar este prazer.

Neste momento, voltamos à regra dos sapatos. Todos nós temos sapatos para diferentes ocasiões. Temos aquele par de chinelos para ir à praia, um sapato social para eventos formais, e um par de tenis quando queremos praticar esportes. E há uma infinidade de outros tipos de sapatos, que podem ser adequados ou não para inúmeras atividades. Sugiro que pense nos relógios da mesma forma. Ao entender o propósito de seu relógio, você entenderá quando utilizá-lo. Seu relógio é resistente à poeira? O “case” do relógio é resistente a riscos? E se riscar, você vai se importar com isto? Sabendo estas respostas, você saberá qual modelo escolherá para fazer aquela caminhada na praia, ou praticar escaladas em montanhas.

E lembre-se – não é porque você pagou caro no relógio, que significa que ele seja a prova de balas. E aquele relógio com repetidor de minutos certamente não foi feito para você nadar na piscina de seu clube.

Os fabricantes não tem feito muito para esclarecer os consumidores dos limites de seus relógios, principalmente quanto à resistência à água. Portanto, o que vale é o bom senso. E se tiver dúvidas, melhor não usar.